Por Betania Tanure
No mundo do poder, temas como a onipresença, a certeza da
imortalidade e a possibilidade de fazer valer as próprias ideias por
considerá-las sempre mais brilhantes que as dos outros deveriam ser mais
profundamente discutidos.
A onipresença é desafiada nas organizações principalmente quando,
depois da sua fase de startup, elas crescem, florescem e não mais estão sob os
olhos do dono. Nesse momento, muitos têm sérios problemas por acreditar que na
fase de sucesso seus preceitos básicos, princípios, valores e até sua
competência para engendrar os negócios prevalecem, passando, por osmose, para
as centenas ou milhares de pessoas que compõem a organização.
Essa "transmissão" não ocorre assim, e não é por acaso
que nos últimos tempos tantas empresas têm mudado de mãos. A fórmula que foi
geradora de sucesso no nascimento e durante o crescimento do negócio é
diferente da que a organização precisa quando se transforma em uma grande
empresa. Aqui há o grave desafio à onipresença. Se quem está no topo não
percebe que ela é infactível, a organização morre.
Passemos ao segundo grande tema, a imortalidade. Não são poucas as
pessoas que mostram ter a convicção de que todos são mortais, menos elas.
Mecanismos psíquicos nos levam a negar essa cruel realidade.
Nas organizações, especialmente nas de caráter familiar, esse é um
dos motivos para que os processos sucessórios sejam tão difíceis quando os
fundadores têm que deixar o comando. Esta necessidade traz um confronto cruel
com a realidade cíclica da vida: chegou a sua vez de "passar a bola",
o que para alguns significa "morrer". O mais comum é que a
confrontação com a finitude só se realize devido a uma doença grave.
Chegamos ao terceiro desafio bastante conhecido, a enormidade do
ego, que incita as pessoas a se achar as mais competentes, as mais brilhantes,
as mais mais. Acreditam que conseguem tudo, que fazem tudo melhor do que os
outros. Esse comportamento é o maior inimigo da formação de equipes e culturas
adultas, autônomas e que sejam a base sólida da perenidade.
Existe ainda um quarto ponto, que é transversal aos três citados:
a convicção da invisibilidade. Como um casal apaixonado que não se dá conta de
que há pessoas a sua volta, muitos dos que ocupam posições de poder têm aquela
crença de que as pequenas ou grandes transgressões que praticam não são
percebidas. Falta-lhes inteligência? São ingênuos? Nada disso. A convicção da
invisibilidade pode obnubilar a visão, embaçar as lentes da realidade.
Fique muito atento a isso, pois pode acontecer com você, no seu
universo de poder, na sua família, na sua vida pessoal - por exemplo quando
Eros o atinge sem prévio aviso... Esse comportamento não é restrito a certas
pessoas, aos que vemos na mídia. Muitas vezes, seja por amor, seja pela
ideologia (que não raramente cega), seja pelos símbolos de poder que o cercam,
você entra nessa trama e nem percebe.
Atenção, portanto: você não é o poder que seu dinheiro ou cargo
carrega, você é simplesmente uma pessoa normal, não onipresente, mortal, que
por brilhante que seja não é a melhor em tudo - além de ser perfeitamente
visível! Todos veem o que você faz. E vou além: neste mundo digital, não existe
mais o off, tudo é on - os sistemas de recompensas, as viagens de férias, as
paixões e, as transgressões. Por outro lado, dificilmente você ouvirá de seus
subordinados a verdade nua e crua. Afine os ouvidos, leia as entrelinhas, calce
as sandálias da humildade!
Sugiro um teste que considero infalível para quem deseja ter uma
imagem real de si mesmo: se você tem um filho (ou filha) adolescente, pergunte
a ele (a) o que acha, de verdade, de você. Como filhos não têm, ou não deveriam
ter, medo da retaliação, de serem "demitidos", mandados para fora de
casa, esteja pronto! De alguma forma, você ouvirá que- ainda que seja para ele
(a) o melhor pai, ou a melhor mãe, do mundo - não é perfeito, não é imortal, é
brilhante em muitas coisas, mas não em tudo. E, mesmo que a resposta não inclua
sua absoluta visibilidade, tome consciência de sua realidade, não espere que
lhe digam em altos brados que "o rei está nu!"
Betania Tanure é doutora, professora e consultora da BTA