Para o psicólogo israelense Tal
Ben-Shahar, que lecionou por 25 anos em Harvard, o grande mal do século XXI é
que não se busca tempo para o descanso
Tal Ben-Shahar (Ramat Gan, Israel, 1970), Doutor Em Psicologia E
Filosofia Pela Universidade De Harvard, Onde Foi Professor Por 25 Anos, Soma
Outros Tantos Estudando A Felicidade.
Como Muitos Especialistas, Acredita Que O Grande Inimigo Do Bem-Estar Seja O
Estresse, Do Qual 94% Dos Universitários Norte-Americanos Padecem. "É A
Nova Pandemia Global", Diz, Em Alusão Ao Qualificativo Empregado Pela Organização Mundial Da Saúde.
Os Médicos O Chamam De "Assassino Silencioso",
Conta. Mas O Psicólogo Israelense Acredita Que Durante Anos Estivemos Olhando
Para O Lado Errado; Não É Preciso Estudar Os Fatores Que O Provocam, E Sim As
Condutas Que Não O Curam. "Deixamos De Dar Importância Ao Descanso, À
Recuperação, E Não Basta O Sono", Observa.
Pergunta. Existe um sistema imunológico
psicológico? Há pessoas que têm maior tendência à tristeza?
Resposta. A genética faz a
diferença. Por exemplo, eu não nasci com uma genética ligada às emoções
positivas. Quando criança sentia ansiedade, assim como meus pais e avós;
sofremos dela geração após geração. O fato de ser infeliz me
levou ao interesse por esse campo: a ciência da felicidade. Nos anos 70, nos
Estados Unidos, foi feita uma série de investigações sobre gêmeos com genes
idênticos. Foram separados ao nascer, criados em países diferentes, com
economias diferentes. Passados os anos, observou-se que havia muitas
semelhanças quanto aos seus níveis de bem-estar, seu comportamento e inclusive
suas paixões. Em média, a felicidade depende 50% da genética, 40% das escolhas
pessoais e 10% do ambiente. Esses percentuais podem mudar em situações
extremas, como uma guerra.
P. Como se medem os níveis de felicidade no cérebro?
R. Há padrões cerebrais associados à felicidade, à depressão e à
raiva. Não é só uma parte, e sim múltiplas que trabalham de forma conjunta. Um
exemplo é o córtex pré-frontal: a parte esquerda está associada às emoções
positivas, e a direita às negativas. É importante conhecer as descobertas neste
campo para entender que, com nossa conduta, podemos melhorar os níveis de
bem-estar.
P. Há um boom,
centenas de best-sellers sobre o tema. Estamos mais preocupados em tentar ser
felizes?
R. Não, é algo ancestral. Há 2.500 anos, Aristóteles escrevia sobre
isso. A Bíblia também trata desse tema. Sempre foi parte do nosso pensamento. A
diferença é que agora temos mais tempo livre, e a isso se somam certas
expectativas irreais quanto à vida. O resultado é que nos sentimos infelizes
porque não entendemos o que é a felicidade
P. O que é a felicidade?
R. Não é possível estar feliz sempre. As emoções negativas, como a
raiva, o medo e a ansiedade, são necessárias para nós. Só os psicopatas estão a
salvo disso. O problema é que, por falta de educação emocional,
quando as sentimos as rejeitamos, e isso faz que se intensifiquem e que o
pânico nos domine. Se bloquearmos uma emoção negativa, igualmente bloquearemos
as positivas. É preciso sentir o medo e sermos conscientes de que vamos em
frente mesmo com ele. Não é resignação, e sim aceitação ativa. Quando meu filho
David nasceu, um mês depois comecei a sentir ciúmes dele. Minha esposa lhe
dedicava mais atenção que a mim. Às vezes as emoções se polarizam, chegamos a
extremos, e nem por isso somos melhores ou piores pessoas. Somos humanos.
P. Segundo um recente estudo da agência europeia Eurofound, os níveis de estresse estão
aumentando na escola, e a transição dos jovens para a vida
adulta se complica pelas expectativas de seus pais e as pressões da sociedade.
R. As expectativas têm um papel-chave na felicidade. A mais perigosa
é acreditar que se pode estar constantemente na crista da onda. A obsessão por
ser feliz o tempo todo faz as pessoas se sentirem péssimas. Nos últimos anos as redes sociais influíram
bastante; ver as caras sorridentes dos outros, suas idílicas
relações a dois, um trabalho exemplar. Quando sentimos tristeza ou ansiedade,
essas imagens reforçam nossa ideia de que estamos fazendo algo de errado. Mas
nada disso é real, todos vivemos numa montanha russa emocional. É inevitável, e
não é ruim.
P. A depressão ameaça 14% dos jovens europeus entre 15 e 24 anos,
segundo o último relatório do Eurofound, e lideram o ranking países
como a Suécia (com uma taxa de 41%), Estônia (27%) e Malta
(22%). Na Espanha, onde a taxa de desemprego juvenil é mais elevada, está
abaixo de 10%. O que está falhando?
R. Vou lhe dar outro exemplo. Nos Estados Unidos, a cada cinco anos
se medem os níveis de saúde mental, que costumam variar 1% para cima ou para
baixo. No último período, os resultados foram muito diferentes: entre
adolescentes, os níveis de depressão cresceram
até 30%. Um dos motivos é que estão diminuindo as interações cara a cara,
substituídas pelo smartphone. As relações pessoais são um antídoto contra a
depressão.
P. No século XIX, trabalhava-se até 18 horas por dia, e nenhuma lei
impedia de fazê-lo 24 horas se fosse necessário. Hoje temos maior qualidade de vida.
Qual é a raiz da insatisfação permanente?
R. A expectativa dos trabalhadores na vida era prover suficiente
comida à sua família para sobreviver. Hoje pensamos em ganhar mais dinheiro,
nas férias sonhadas... Hoje você pode fazer tudo; mesmo que tenha um emprego
interessante e goste de seus colegas, não é suficiente. Como pode escolher e
mudar, nunca está satisfeito
P. Como a escola pode nos preparar para saber o que é a felicidade?
R. É
preciso ensinar a cultivar relações sadias, a identificar propósitos e sentido
no que fazemos. E o mais importante: a encontrar tempo para o descanso. As
pesquisas demonstraram que esse é o grande problema, que não nos recuperamos do
estresse. Não vale ler best-sellers de autoajuda,
é preciso uma ação. No trabalho, fazer uma pausa de 30 minutos a cada duas
horas, ou de 30 segundos se você trabalhar na Bolsa, mas desconectar e respirar.
Tirar um dia de folga. Aprender que a felicidade não é um código binário, de um
a zero, e sim um sobe e desce. É uma viagem imprevisível que termina quando
você morre.